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“O cancro nunca pôs em causa o meu riso”

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Quatro de fevereiro assinala o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro. Os números da mortalidade ligados à doença são ainda muito elevados. Apesar disso, há casos de sucesso e de quem se ri do cancro. Marine Antunes fá-lo sem tabus. Teve cancro aos 13 anos e, prestes a completar 27, partilhou com o Jornal do Ave porque é que o cancro ainda faz parte do seu dia a dia. 

Um pouco por todo o globo, a 4 de fevereiro, falou-se daquela que já é considerada a doença do século. Sensibilizar, educar e falar do cancro abertamente é, cada vez mais, o objetivo destas iniciativas.
A investigação científica tem mostrado progressos, mas ainda não são os suficientes para travar as quase nove mil mortes mundiais, que se registaram só em 2015. A doença mata mais homens do que mulheres e os carcinomas do aparelho respiratório, principalmente o do pulmão, são os mais fatais. O objetivo é tentar descobrir novos modos de prevenção, diagnóstico e tratamento através da medicina, mas enquanto eles não passam de estudos, Marine Antunes é um bom exemplo de quem lida abertamente com a doença. Cancro e humor não rimam, mas na vida de Marine combinam na perfeição.
Aos 13 anos a jovem ‘deu de caras’ com a doença, depois de lhe ter sido diagnosticado um linfoma não-hodgkin, no mediastino. “Eu era tão inocente e ingénua que, sinceramente, não senti o chão a fugir. Interiorizei rapidamente que seria apenas uma fase e nunca pus em causa não sobreviver”, recordou a jovem. Sem “noção completa da gravidade do problema”, Marine sentiu desde o início “uma força descomunal” e não teve tempo “para pensar, apenas para agir”.
Marine nunca teve alta hospitalar. “Todos os anos, tenho de ir às consultas de oncologia e passo, todos os anos, pelos sustos, pelos exames de rotina e a minha memória é avivada”, afirmou, confidenciando que, em alguns momentos, “não compreendia porque poderiam os outros ter alta” e ela não. Assustou-se, mas decidiu “ficar aliviada por estar a ser vigiada de perto, ao invés de ficar nervosa por não estar livre daquele lugar. É tudo uma questão de perspetiva”, completou. “O cancro nunca pôs em causa o meu riso”, afirmou Marine, que faz da felicidade uma constante da vida, garantindo que foi feliz antes, durante e depois da doença. Uma enfermidade que “apenas aprimorou e aumentou o desejo e gratidão por estar viva”. “Depois do cancro afinquei a certeza que todos viemos ao mundo para sermos o que quisermos, passei a viver segundo a lei ‘vive os teus sonhos’ e a realizar tudo o que me passa pela cabeça. Passei a fazer escolhas melhores, a não ter medo de arriscar, a permitir-me rir, a entregar-me às pessoas e aos sonhos de cabeça. A ser inteira”, complementou.

Rir da doença é o melhor remédio

O humor estava no “ADN da família”, por isso o sorriso “foi e é a sua escolha diária”. Cresceu com o barulho das gargalhadas e a rir-se das desgraças. “O Cancro com Humor existiu antes mesmo de eu saber que existia”, já que “quando estava doente, as irmãs, a mãe e os amigos eram naturalmente bem-dispostos”, confidenciou. “Não sorrio para não chorar. Choro à mesma. O humor é uma forma de estar, uma opção”, explicou Marine.
Em 2013, dá início ao projeto Cancro com Humor para “ajudar os outros a serem mais felizes na doença”. “Se o humor funciona comigo, achei que poderia mostrar às pessoas que também pode funcionar com elas – e sim, essa é a minha forma saudável de estar na vida”, explicou. Mas estava longe de imaginar o impacto do projeto na sua vida. Marine apaixonou-se por um “Careca Power”, um termo que criou para se “referir ao doente oncológico com power e humor, que é feliz no caos, que é corajoso e inspirador”, fazendo-a “viver o cancro, uma segunda vez, mas como cuidadora”. “Ele acabou por falecer em 2015 e passei a transmitir uma mensagem de esperança também na dor – algo que nunca pensei que me estivesse destinado mas que acabou por me ajudar a mim também”, desvendou.
Aliou “o humor, a escrita, a comunicação e a intervenção social” e, desde então, nunca mais parou. Tem um blogue e o livro “Cancro com Humor”, usa as redes sociais e as crónicas no jornal i e ainda as palestras para chegar a mais pessoas com o seu testemunho.
Marine Antunes apoia várias iniciativas e até criou uma associação sem fins lucrativos, que teve que encerrar por questões burocráticas, mas que lhe permitiu fazer “coisas bonitas como a peça de teatro ‘É cancro, é pois é?’, escrita para as crianças e oferecida aos hospitais, ou a banda desenhada ‘Careca Power’”. Foi considerada Jovem Inspirador 2013, venceu o concurso Mulheres Extraordinárias, viajou para o Brasil e foi convidada a ser Embaixadora para a Europa da Plataforma do Paciente com Cancro de Maringá.
A ideia de Marine é “encontrar pessoas e partilhar as suas histórias para que se ajudem umas às outras”. E não falamos apenas de doentes mas apoiantes, cuidadores ou familiares. “Quando tenho palestras, muitas das pessoas que me seguem virtualmente, aparecem. E é sempre uma emoção tão grande conhecer estas pessoas pessoalmente mesmo tendo a sensação que já as conheço há muito tempo”, asseverou Marine.
Foi assim em Santo Tirso, no dia 27 de janeiro. Uma palestra que a jovem sobrevivente considerou “mega especial”, por ter na plateia “o maior número de pessoas amigas”. “Adorei a participação do público, a presença de vários carequinhas, a energia. Senti que estávamos verdadeiramente ligados e as pessoas saíram mais felizes e mais unidas. Foi uma noite mágica”, garantiu.
Nem toda a gente aceita esta forma de lidar com o cancro. Marine já teve alguns episódios menos agradáveis em que a única resposta foi, obviamente, rir.
Marine Antunes contou ao Jornal do Ave que uma senhora lhe enviou uma mensagem que apenas dizia: “Oxalá que morras lentamente”. “Reagi com humor”, assegurou a jovem e, continuou, “fiz print da mensagem, publiquei no facebook e comentei – ‘estou chocada. Já não ouvia a palavra oxalá há anos’”. “Quem complica isto tudo são mesmo os saudáveis. São uns chatos e politicamente corretos. Os carequinhas, os sobreviventes, percebem que precisamos do humor para aprender a relativizar, precisamos de rir na dor para a tornar mais suportável”, considerou Marine.

“O medo é pior que o cancro”

Para Marine Antunes, o mais difícil de superar nesta luta “é aprender a lidar com a frustração”, quando “as coisas não correm como queremos, quando as pessoas morrem, quando a doença existe”, mas considera simultaneamente “o mais desafiante e a lição mais importante que se pode aprender: saber lidar com a perda, com a dor, com o sofrimento, com a frustração da vida não seguir nenhum plano e de acontecer, apenas”. Para os que travam ainda a batalha, Marine tem um conselho: “Não percam todo o tempo deste processo a lamentar e a estarem tristes. Aproveitem esta fase, porque garanto que também existem coisas boas a tirar daqui. Aproveitem este momento de vulnerabilidade para se conhecerem melhor, para dizerem aos vossos o quão os amam, para traçarem novas prioridades, para serem mais completos. Aproveitem para viver”.
Marine assegura que tenta “(mesmo) deixar de ter medo”, porque “o medo é pior que o cancro”. “Se deixarmos de ter medo – dos resultados, dos exames, dos tratamentos, da morte – o cancro perde poder. Mas claro que ainda tenho. Tenho medo de voltar a ter cancro mas também tenho outros medos, como ir às Finanças ou conduzir na autoestrada”, brincou a jovem.
Marine vê a vida com outros olhos e, por exemplo, recusa-se a sentir-se “revoltada por ter perdido tantas pessoas com cancro”, preferindo “agradecer o facto de as ter conhecido”.
“O cancro ensinou-me a ser grata, a não ter medo de amar e a nunca deixar para amanhã, o sonho que posso realizar hoje ”, partilhou.
Marine Antunes já vestiu a pele de um doente oncológico e, por isso, sabe definir o sentimento na perfeição: “Queremos que nos olhem com o mesmo amor, com a mesma tranquilidade, com a noção de que continuamos a existir para além da doença. Naturalmente que é preciso existir sensibilidade e doação extra de amor nesta fase tão difícil, mas o essencial é ajudarem-nos a que nos sintamos parte deste mundo. Temos cancro. Não somos cancro. Somos nós que decidimos ser ou não ser feliz no caos”, finalizou.

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