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V.N. de Famalicão

Doar em nome da felicidade desconhecida

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Aos 27 anos, Paula Lobo quis ajudar a alimentar o sonho de outras mulheres. Doou parte de si, para que um ser pudesse nascer e fazer uma família feliz. Mas não ficou por aqui. A jovem de Famalicão, que já tinha doado sangue, entregou 24 centímetros do seu cabelo a uma instituição internacional, que faz perucas para crianças doentes. Paula é um bom exemplo de solidariedade no feminino e faz dos sonhos dos outros a sua missão.

A jovem, natural de Riba de Ave, descobriu que podia doar os seus óvulos quando tinha 21 anos, devido a um infeliz acaso. Uma das amigas lutava contra um cancro nos ovários e ao longo do processo Paula Lobo sensibilizou-se com a questão. No entanto, achou que não era o momento certo, por não ter “maturidade emocional suficiente” e adiou até ao ano passado, disse em entrevista ao Jornal do Ave.

Não foi uma decisão fácil. Contou sempre com o apoio do namorado, mas nem todos perceberam a decisão de Paula. A “mãe e várias amigas” receavam os “riscos” que um processo destes envolve e a jovem teve que lidar também com “reações de discórdia”.

“Muitas vezes dizem-me que este tipo de doação, ao contrário da doação de sangue, não salva a vida de ninguém. Eu concordo que a doação de sangue é mais importante, mas discordo quando dizem que não salva a vida a ninguém”, afirmou a jovem, para quem “a infertilidade é um problema de saúde fisiológico que geralmente traz problemas de saúde do foro psicológico/psiquiátrico”.

Para Paula “gerar nova vida é uma bênção e motivo para celebração”. Na maioria dos casos, as meninas sonham, desde sempre, com uma vida futura que passa pelo casamento, ter uma casa, um carro e filhos. Quando chega a altura de assumir a responsabilidade de gerarmos uma nova vida, que será sempre parte de nós e por quem passamos a ser responsáveis, nem sempre as coisas correm bem. A pensar nas mulheres que sonham mas não podem ser mães, Paula Lobo sentiu que tinha nas mãos e, neste caso, nos seus óvulos a possibilidade de gerar uma vida, que nunca lhe vai pertencer mas que será a concretização do sonho de alguém.

“O ponto essencial é tentarmos imaginar que somos nós que temos o problema de infertilidade. Não gostaríamos de ser mães? Claro que existem alternativas (mas adotar é um processo altamente complexo, cujos trâmites legais levam mais tempo que uma gravidez normal), mas porque é que eu, podendo ajudar uma outra mulher a concretizar um sonho, não hei de o fazer?”, questionou.

A falta de informação e até a “desinformação” sobre o tema são, na sua opinião, motivadores dos preconceitos que ainda existem acerca deste tipo de doação. Acabar com o preconceito, considera Paula, “será difícil porque toca em questões de crenças muito pessoais, intrinsecamente ligadas à religião”. A jovem elogia, no entanto, o quadro legal que considera “o mais adequado na proteção dos interesses de todos os envolvidos no processo, inclusivamente nos do bebé que irá nascer”, uma vez que a doação é anónima e confidencial. Nem o casal que vai receber a doação, nem a dadora têm conhecimento das identidades.

Paula Lobo, agora com 28 anos, já tinha doado sangue e, em 2017, doou, por duas vezes, os seus óvulos. A primeira doação foi há um ano, em março, e a segunda em dezembro. Mas, como não há duas sem três, a famalicense preparar-se para o fazer mais uma vez. A legislação só permite três doações e a de Paula será em “setembro ou outubro”.

Desenganem-se os que acham que a solidariedade da jovem fica por aqui. Paula também doou 24 centímetros de cabelo, desta vez para alimentar o sonho de crianças que por motivos de saúde não o têm.

“Senti muitas dores”

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Para poder doar óvulos a mulher tem que ter entre 18 e 33 anos e ser saudável. O processo está divido em três fases: consulta de ginecologia e psicologia, avaliação de fertilidade e análises sanguíneas; estimulação hormonal e doação.

No caso de Paula, “correu tudo bem”. A viver atualmente em Viseu, a jovem deslocou-se a Ao Centro Hospitalar de Coimbra, onde lhe explicaram todo o processo, fizeram uma “análise psicológica, por inquérito e por entrevista, para perceberem as motivações e se compreendia efetivamente de que não teria qualquer direito a reclamar a maternidade mais tarde”, explicou. Seguiu-se uma análise ao sangue e uma consulta de ginecologia. Paula Lobo teve que esperar “duas semanas” até saber se estava “apta para a doação”. O resultado afirmativo só implicou que a famalicense esperasse pelo novo ciclo menstrual para se deslocar novamente a Coimbra. Teve medicação para ser administrada em casa, durante três dias, que consistia “numa espécie de caneta que se utiliza para administrar tipo vacina, na zona do abdómen, todos os dias, sempre à mesma hora”, descreveu. Voltou ao hospital para uma “nova consulta de ginecologia e análises ao sangue”. Foi-lhe dada “mais medicação e agendada nova consulta, para três dias depois”, momento em que lhe foi “adicionada mais medicação (2 injeções diárias)”. Seguiu-se a recolha dos ovócitos. “Doze horas antes da doação não podemos comer nem beber nada. A doação em si é fácil, porque nos dão uma anestesia e quando acordamos, uns 20 minutos depois, já estamos deitadas numa das camas. A princípio é difícil. Senti muitas dores e parecia que estava sempre com vontade de ir à casa-de-banho”, descreveu a dadora.

Depois de algumas horas em observação, a alta acaba por chegar, mas nos “dois ou três dias seguintes ainda se sente algumas dores, e é aconselhado a tomar precauções extra com a atividade sexual, pois o risco de engravidar é maior durante algumas semanas”, finalizou Paula.

 

850 euros para quem doa

A legislação prevê uma compensação monetária, “por tudo o que o processo exige”. A quantia foi atualizada em setembro de 2017, passando de 627 a 850 euros. “Só quem nunca fez a doação é que pode achar que alguém faz isto pelo dinheiro. Não vou dizer que não haja exceções, mas serão uma percentagem marginal com certeza”, afirmou Paula Lobo. Neste caso, Paula teve que se deslocar a Coimbra, percorrer cerca de 180 quilómetros de cada vez que tinha consulta, e alocar dias de férias. “É uma compensação pelas dores que sentimos, pela responsabilidade de administrar a medicação onde quer que estivéssemos (eu fi-lo em sanitários de restaurantes, a meio de jantares com amigos, por exemplo), pelas limitações que o pós operatório nos impõe e pelo risco que se corre para ajudar alguém a concretizar um sonho”, detalhou.

 

Onde pode fazer?

Há dez locais públicos que estão autorizados a ministrar técnicas de procriação medicamente assistida. No Norte, estão autorizados o Centro Hospitalar do Alto Ave, em Guimarães, o de Vila Nova de Gaia/ Espinho, em Gaia, o Centro Hospitalar do Porto e o de S. João.

No entanto, um pouco por todo o país, existem mais centros hospitalares e clínicas privadas que têm autorização para realizar o processo. Pode saber quais no site do Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida, em www.cnpma.org.pt.

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Números

2 por cento. Percentagem de bebés
portugueses nascidos através
de técnicas de procriação medicamente
assistida

300 mil. Número estimado de casais
portugueses com dificuldade
em gerar filhos (15 por cento em
idade reprodutiva)

No Centro Hospitalar da Universidade
de Coimbra, em 2017, de 6
mulheres, 2 doaram óvulos

O número de ovócitos por doação
oscila entre os oito e os 20

O tempo entre a decisão da clínica
e a doação pode chegar aos
3 meses

 

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